E se fosse possível acabar de vez com os incêndios?

Jornal i

Crédito: Francisco Soares
Prefeito Paulo do Valle e secretários em Reunião na Asban
Portugal Mata Viva. E se fosse possível acabar de vez com os incêndios?

Reportagem: ANA SÁ LOPES

O projeto Portugal Mata Viva está a dar os primeiros passos. O seu promotor, o médico José Manuel Almeida, admite que seja não só possível como “desejável” que já esteja a funcionar na próxima época de incêndios. Nas zonas geridas pelo projeto Brasil Mata Viva não há fogos florestais


Maria Tereza Umbelino é economista e há 10 anos fundou o projeto Brasil Mata Viva numa comunidade rural, Santa Cruz do Xingu, onde o êxodo rural era manifesto e que, nesse ano, vivia em estado de calamidade por causa de incêndios.

A família de Tereza, natural do Estado brasileiro de Goiás, tinha ligações com a comunidade. E foi aí em Xingu que Thereza se lembrou de avançar com o projeto. Se fosse possível dar condições à comunidade de sobreviver num espaço que faz fronteira com a Amazónia, “ela seria a maior protetora da natureza naquela região”.

O projeto Brasil Mata Viva tem como objetivo “criar condições para que as pessoas que escolheram viver próximo da Natureza ou da floresta, tenham reconhecida a sua atividade económica e de conservação”. Sendo uma atividade económica, Thereza diz que “como tal, deve ser bem remunerada”. “Quem conserva a floresta é o homem. Quando desenvolve a atividade para proteger a floresta, de maneira a que sejam produzidos bens que servem a toda a sociedade, está a ter uma atividade económica digna”. Thereza diz mesmo que “é uma profissão”. “Essa foi a nossa luta. Saber como se remuneraria essa tarefa de conservar”. O primeiro passo foi criar uma métrica de referência para “valorar” o serviço. A partir desse x, o projeto chega aos patrocinadores e diz “esta pessoa que cuida destes hectares de terra, guarda uma riqueza em unidades de crédito de sustentabilidade, UCS”. Essa é a unidade de medida do crédito de floresta.

No princípio deste mês, o Estado de Goiás aliou-se ao projeto, tornando-se pioneiro “no sentido de normalizar e monetizar” os créditos de floresta. A secretaria de Estado da Fazenda [Finanças] estadual vai dentro de poucos dias começar a comercializar os “créditos de floresta” numa plataforma.

O Brasil Mata Viva não recorre a financiamento do Estado – “Uma política pública sem dinheiro público”, definiu-a um dos responsáveis de Goiás – mas a patrocinadores a quem se pede, de forma a pagar aos protetores da floresta, uma “quota de retribuição sócio-ambiental”. Mas como se convence alguém a pagar a sua quota de retribuição sócio-ambiental? Tereza responde: “As empresas, as instituições de uma forma geral, tem como obrigação o compromisso de responsabilidade sócio-ambiental. As empresas compram ‘créditos de floresta’ para compensar o impacto ambiental”. Nas zonas geridas pelo projeto Mata Viva não há incêndios.

José Manuel Almeida, médico, viveu no Brasil nos últimos quatro anos. Regressou a Portugal decidido a montar um projeto ligado à saúde mas ficou em estado de choque com os incêndios de Pedrógão Grande – e com os que se seguiram. E lembrou-se então de replicar em Portugal o projeto de Maria Tereza Umbelino, que se chamará Portugal Mata Viva.

Até aqui, conta José Manuel Almeida ao i, “a estratégia tem passado pela apresentação em Portugal das nossas ideias, do nosso projeto e da nossa experiência no Brasil”.

“Temos procurado interlocutores reconhecidamente bem posicionados em termos do conhecimento que têm e que poderão nalguns casos evoluir para parcerias sólidas de futuro”, afirma. José Manuel Almeida acredita que “é perfeitamente possível e desejável que o Portugal Mata Viva esteja completamente ativo e preparado para a próxima época de incêndios”.

Até lá, José Manuel Almeida espera concluir “a etapa de implementação definitiva da organização em Portugal ainda no próximo trimestre” e “começar o nosso trabalho de reunião de produtores e sensibilização dos entes públicos até março”. Agora, “tudo dependerá, é claro, da recetividade que viermos a encontrar em cada comunidade, em cada concelho, bem como a recetividade do Estado”. A experiência mostra, afirma o médico, “que é um trabalho que pode ser desenvolvido com rapidez sem perder o rigor”.

“Podemos afirmar que o início de um trabalho de fundo nas nossas comunidades, nas nossas regiões, se realizará muito em breve”, diz o fundador do Portugal Mata Viva.

“De acordo com a nossa experiência no Brasil, temos a expectativa de que teremos resultados muito significativos ao longo dos próximos tempos se pudermos, como esperamos, começar a trabalhar no início do próximo ano”, afirma José Manuel Almeida ao i.

O projeto Portugal Mata Viva apresenta-se como um antídoto contra a tragédia anual dos incêndios. Agora, falta pô-lo em prática.